Divã - Martha Medeiros (trecho)
(...)
- Se não era amor, Lopes, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não sabe se vai ser antes ou depois de se chocar com o solo.Eu bati a 200Km/h e estou voltando a pé pra casa, avariada.Eu sei, não precisa me dizer outra vez. Era uma diversão, uma paixonite, um jogo entre adultos.Talvez seja este o ponto. Talvez eu não seja adulta suficiente para brincar tão longe do meu pátio, do meu quarto, das minhas bonecas.Onde é que eu estava com a cabeça, Lopes, de acreditar em contos de fadas, de achar que a gente manda no que sente e que bastaria apertar o botão e as luzes apagariam e eu retornaria minha vida satisfatória, sem seqüelas, sem registro de ocorrência?Eu nunca amei aquele cara, Lopes. Eu tenho certeza que não.Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada.
Não era amor, era uma sorte. Não era amor, era uma travessura.
Não era amor, era sacanagem. Não era amor, eram dois travessos.
Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era de tarde.
Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo.
Não era amor, era melhor."
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